(Esse conto é um dos que eu mais adimiro, é um pouco longo mas, vale a pena)
Uma noite dessas a caminhar na estrada,
Me surpreendo ao ver um casal de pedras rindo e sussurrando,
Fiquei ainda mais abismado ao perceber que o motivo do deboche era eu mesmo,
Me aproximei para tomar satisfações.
Ao chegar mais próximo uma das pedras gargalhou ainda mais alto.
Indignei-me e perguntei o que havia de errado...
Qual o sentido da sua vida, homem?
-Perguntou a pedra-
Não entendi?
-respondi eu-
Você vive por qual razão, humano?
-a outra pedra perguntou-me em ironia-
Pensei e pensei, e logo a pergunta
Bateu como um golpe em minha testa,
E não tendo o que responder devolvi na mesma moeda...
E você pedra, vive pra quê?
Foi quando ela disse:
Em primeiro lugar sou eterna nunca nasci.
Em segundo, existo pra firmar o chão que você e os outros seres vivos pisam.
E você?
-perguntou em deboches novamente-
Como eu não tinha o que responder,
dei às costas, e em meio à piadas voltei à estrada muito angustiado.
Seria eu a escória dos seres?
Pois até um verme encontra seu papel arando a terra, e eu?
Logo adiante encontrei um pequeno lago,
Olhei-me no reflexo do lago que parecia me dizer algo...
No silêncio da noite azul escutei essas frases que muito me comoveram:
“Perdoa por não ser eu tão sábia como o céu,
Céu que tudo sabe e tudo vê...
Perdoa por não ser eu tão humilde como a nuvem,
Nuvem que passa sem querer ser vista...
Perdoa, porque não consigo ser tão constante como o sol,
Sol que todos os dias amanhece e anoitece sem falta,
Perdoa, porque sou meramente substituível e quase nada.”
Escutando aquilo de minha própria alma
Saí logo de perto daquele lago,
não me contive e chorei, estaria ela certa?
Será que não existe razão na minha existencialidade?
Foi quando pensei...
Uma árvore vive centenas de anos.
Já um inseto, poucas semanas...
Será que a árvore acha sua vida longa?
Será que o inseto acha sua vida curta?
Ou será que para eles a vida tem o mesmo tamanho que tem pra mim?
É, mas isso não responde a minha pergunta inicial...
Por que eu vivo?
Percebo agora que até o tapete de meu quintal encontra
a perfeição de sua existência sujando-se com os sapatos,
Já um bom remédio, curando,
Já um bom veneno, matando.
E tenho certeza que essas coisas encontram o sentido de suas vidas, aperfeiçoando seus objetivos...
E eu?
Completando minha agonia, vejo que se eu banisse desse mundo
qualquer ser, haveria tal desequilíbrio,
Que afetaria tudo que eu conheço de mundo hoje.
Só que eu, como não tenho razão existencial,
posso desintegrar-me, que não afeto nada...
E nem precisarei ser motivo de piada de pedras.
Mas...
Agora tudo parece claro... Realmente eu não tenho razão de existência...
Eu sou a razão de tudo... Tudo existe pra mim...
Eu sou a razão, é obvio...
Se tudo que existe tem uma razão...
Não estaria existindo lá por acaso... Está lá por mim...
Eu sou o Observador... Sou eu que contemplo tudo...
Eu que admiro a vida das coisas...
Então eu tenho uma grande razão de existência agora:
A existência de tudo, sem mim tudo que existe não tem razão.
EU NÃO SOU SERVO, SOU REI.
Voltando lá na beira da estrada, onde as pedras estavam...
Não as encontrei,
Na verdade, de tão eufórico pela descoberta do meu reinado.
Acho nem as procurei direito...
Corri no pequeno lago pra contar as boas novas à minha alma,
Encontrei-a chorando...
- Não chore minha rainha, escute os pássaros,
Sinta o calor ameno do sol das cinco, já amanheceu...
Temos um longo e lindo dia pra cuidar de nosso reino,
Você e eu.
Davson Sobral